Felipe Raposo

Solidão, solitude, filosofia e caixa de ferramentas

A TV ligada e uma aba aberta na estação de rádio que mais gosto estão me fazendo companhia agora. Detesto silêncio, é claro que nem sempre. Há momentos em que é muito bom estar sozinho e apreciar a própria companhia. Ter tranquilidade para poder contemplar o horizonte sem nenhuma palavra a dizer e ouvir apenas o canto dos passarinhos, o som do vento que me acha os cabelos. O poder de escolher tudo isso, quando o mundo parece desabar sobre a cabeça é realmente um presente para quem vive num turbilhão de barulho e distrações sem nenhum significado. Essa escolha de estar sozinho faz toda a diferença.
Chamamos isso de Solitude.
Paul Tillich foi o primeiro a conceituar esse estado de espírito que encontramos paz em estarmos sozinhos. Ele criou a palavra para expressar a glória de estarmos sozinhos, justamente para diferenciar essa sensação, da dor da solidão, que é oposta à ideia do prazer de estarmos felizes com nossa própria presença e contemplação da própria existência.
Sabemos que nem sempre isso é possível. Está cada vez mais difícil existir, quanto mais contemplar qualquer coisa nesses dias tão corridos e precários. Olhar para fora da janela do trem ou ônibus lotado em plena hora de pico, tira toda a graça de assistir o nascer ou pôr do sol. O quê um “especialista em bem-estar”, que não passou por nada disso, com certeza nos orientaria a fazer: olhar ou bater palmas para o sol! Tudo isso para aplacar as dores mais profundas do nosso ser com uma dica simples: “carpe diem”. Eu, em sendo um trabalhador assalariado, nutro ódio absurdo dessa frase! É uma expressão latina que significa "aproveite o dia". Como se ninguém quisesse aproveitar um dia de sol ou chuva sem pensar em nada!
Eu sei que Epicuro não quis dizer exatamente isso, o que um monte de coaches dizem. Nem mesmo as baboseiras que dizem sobre Marco Aurélio, Epicteto e Sêneca sobre o estoicismo resiliente!
Tudo bem; você se acalme daí que eu me acalmo daqui. Eu sei e você também sabe que “aproveitar o dia”, é um convite a viver o agora, pois nem sabemos se amanhã estaremos vivos! Mas vem comigo, segura minha mão: nossos boletos vão estar vivíssimos! Fica muito difícil pensar numa vida sem o amanhã. Isso a gente deixa pra quem não tem preocupação nenhuma, como os bilionários que morreram num submarino guiado apenas por um controle de videogame!
Raramente temos escolha, mas eu duvido que você queira passar seu aniversário sozinho.
Eu aposto que você não acha uma ideia muito bacana estar sozinho numa virada de ano, natal ou dia dos namorados. Se você acha isso ótimo, já entendi a sua! Você está naquela de Solitude, suave na sua nave, tranquilo no mamilo. Mas, quando eu digo sozinho, é sozinho mesmo! Sem companhia mesmo! Sem ChatGPT, sem GP (quem sabe, sabe), sem muletas metafísicas (como diria Nietzsche). Mas se acertei sobre você não gostar de estar tão só assim nesses termos de jeito algum e está (!) e ainda, anda pensando em dar uma volta na beira do abismo e olhar bem fundo nos olhos dele... então estamos em outro estado de emoções, a isso damos um nome: Solidão!
Agora que chegamos no fundo desse poço e você ainda está segurando minha mão (enquanto ouço minha rádio favorita), não estamos sozinhos. Ou pelo menos não deveríamos. Segundo a Ipsos, uma empresa dedicada às pesquisas sobre comportamento, disse que o brasileiro é o povo mais solitário do mundo! Sim, estamos sozinhos, e não de um jeito gostoso. É você e a parede, e você e o trem lotado, é você e o ônibus cheio de gente inconveniente, é o vizinho com o som alto às duas da manhã sem que você possa dormir devido à insônia de ambos!
Não existe paz na solidão como há na solitude! Numa temos escravidão, na outra existe liberdade.
Para fugir da Solidão temos algumas ferramentas à mão! Vamos a elas antes que a carcereira Depressão nos aprisione!
Você achou alguma autoestima por aí? Ache aí alguém que você se importe. Hummm, uma causa importante! Legal, agora talvez um serviço voluntário! Isso! Tá tendo tempo para você mesmo pra digerir tudo isso? Excelente! E quem sabe uma ajuda profissional?
Pronto... ufa!
Agora olho pra você e estamos diante do poço que cavamos juntos para fora dele. Não estamos sozinhos, apesar da distância que nos separa, vamos vencer juntos! Temos muitos caminhos a seguir para fora da prisão que pode nos matar.
Seja livre e contemple o Sol da melhor forma. A forma que você quiser!
Fontes e citações presentes no texto:
https://aeon.co/essays/my-grandfather-paul-tillich-the-unbelieving-theologian
Sobre Paul Tillich. Na Wikipédia tem muito sobre ele, de fato é um homem muito interessante.
Sobre Epicurismo e Estoicismo tem muito material sobre na internet, indico as aulas do Professor Clóvis de Barros disponíveis no YouTube
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/12/27/empresa-de-submarino-que-implodiu-a-
caminho-do-titanic-termina-ano-com-atividades-canceladas-relembre-tragedia-que-chocou-o mundo-em-2023.ghtml
Não, não faça isso.
"Muleta metafísica" é um conceito filosófico, popularizado por Nietzsche, que se refere a sistemas de crenças, ideias ou valores que as pessoas usam como apoio para lidar com a realidade, especialmente em momentos de dificuldade ou incerteza. Essas "muletas" podem ser religiões, ideologias, sistemas éticos, ou qualquer estrutura de pensamento que ofereça conforto, significado, ou um senso de propósito, mesmo que essa estrutura não esteja diretamente ligada à experiência concreta e terrena.
https://www.ipsos.com/pt-br/brasil-fica-em-1o-lugar-entre-28-paises-em-ranking-dos-que-mais-sentemsolidao#:~:text=mais%20sentem%20solid%C3%A3o-,Brasil
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Pesquisa da ipsos sobre nossa solidão
https://www.psicologiamsn.com/2014/08/diferenca-entre-solitude-e-solidao-voce-conhece diferenca.html
Como combater a solidão
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