Thiago Moreno

Cultura latino-americana em 2025: resistência, inovação e identidade regional em movimento

Recentemente em visita a Argentina, pude verificar que em 2025, a cultura latino-americana se encontra em um ponto de efervescência criativa e, ao mesmo tempo, de resistência política e econômica. Em um continente marcado por desigualdades históricas e instabilidade institucional, artistas, coletivos e instituições culturais vêm reafirmando a identidade da América Latina com novas linguagens, maior integração regional e uso intensivo das tecnologias digitais.
Literatura, música, cinema, artes visuais, dança e teatro seguem como instrumentos de crítica social, preservação da memória e afirmação das identidades locais e indígenas, especialmente diante do crescimento de governos conservadores em alguns países e dos impactos das crises econômicas pós-pandemia.
Cultura como ferramenta de resistência e transformação
Em países como Argentina, Colômbia e México, movimentos culturais têm sido fundamentais na defesa da democracia, dos direitos das mulheres, da diversidade sexual e da memória histórica. Após a eleição do governo ultraliberal de Javier Milei na Argentina, por exemplo, o corte de verbas culturais gerou forte mobilização de artistas, escritores e cineastas. Em resposta, centros culturais independentes floresceram em Buenos Aires e em cidades do interior, promovendo arte de forma autônoma, cooperativa e de base popular.
Na Colômbia, projetos de arte urbana, música afrocaribenha e literatura indígena estão sendo apoiados por programas públicos ligados à construção da paz, especialmente em regiões antes dominadas por grupos armados. Já no Chile, o investimento em bibliotecas públicas, editais de cinema e projetos de museologia comunitária tem fortalecido a cena cultural pós-plebiscito constitucional.
Integração regional e redes de colaboração
A cultura latino-americana em 2025 também tem buscado mais integração. Plataformas digitais, redes de festivais e encontros literários e artísticos têm reunido criadores de diferentes países em colaborações transnacionais. Um exemplo disso é o Festival Nuestra Palabra, realizado simultaneamente em cinco capitais latino-americanas, com curadoria colaborativa e transmissões multilíngues.
Instituições como a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e o Mercosul Cultural vêm incentivando políticas de intercâmbio cultural, com foco na produção audiovisual independente, tradução de obras literárias entre os idiomas do continente e circulação de espetáculos regionais.
Cinema, música e literatura em alta
O cinema latino-americano tem ganhado destaque em festivais internacionais. Em 2025, filmes do Brasil, Uruguai e Equador estiveram entre os mais premiados nos festivais de Berlim, Cannes e San Sebastián. A produção cinematográfica tem sido marcada por narrativas que abordam a crise ambiental na Amazônia, migrações, racismo estrutural e a vida em comunidades periféricas.
Na música, estilos como trap latino, cumbia digital, funk periférico e música andina eletrônica vêm ganhando força, principalmente entre os jovens. Plataformas como Spotify e YouTube têm facilitado a circulação de artistas locais, como o argentino Trueno, a colombiana Li Saumet (vocalista do Bomba Estéreo), e coletivos como Teto Preto e Francisco, el Hombre, do Brasil.
Já na literatura, editoras independentes e feiras alternativas, como a FLIP Transfronteiriça, ampliam o acesso a autoras e autores indígenas, LGBTQIA+ e negros. Os temas centrais da produção literária atual giram em torno de memória, território, ancestralidade e resistência.
Desigualdade de acesso e fragilidade das políticas públicas
Apesar dos avanços, a cultura latino-americana ainda enfrenta grandes desafios. Em muitos países, os investimentos públicos em cultura seguem abaixo de 1% do orçamento nacional. A concentração de recursos nas capitais, a precarização dos trabalhadores da cultura e a censura em regiões conservadoras ainda comprometem a democratização da produção e do consumo cultural.
No Brasil, embora haja retomada de políticas culturais com o Ministério da Cultura reativado, cidades do interior e periferias urbanas ainda dependem de iniciativas comunitárias para manter bibliotecas, centros culturais e escolas de música funcionando. O fortalecimento da Lei Paulo Gustavo e dos sistemas estaduais de cultura tem sido crucial, mas os recursos ainda são insuficientes para cobrir toda a demanda.
O futuro é coletivo, popular e digital
A cultura latino-americana de 2025 mostra que, mesmo diante da escassez de recursos e da pressão de modelos econômicos excludentes, artistas e comunidades seguem criando, reinventando e compartilhando saberes. A digitalização tem permitido novas formas de produção e acesso, mas também levanta debates sobre desigualdade digital e remuneração justa para criadores.
Mais do que nunca, a cultura na América Latina é um campo de disputa entre memória e apagamento, entre arte e mercantilização, entre pertencimento e exclusão. E é justamente nesse espaço que pulsa a possibilidade de um futuro mais diverso, democrático e latino.
COMENTÁRIOS