Barretos: o brilho do rodeio que encobre as contradições urbanas
Barretos, com cerca de 122 mil habitantes e famosa mundialmente pela Festa do Peão de Boiadeiro, transforma-se por 10 dias em 2025 num polo turístico ostentoso atraindo quase 900 mil visitantes e movimentando mais de R$ 1,2 bilhão em economia local, segundo estimativas da edição anterior. Mas, enquanto a cidade vibra com montarias, shows sertanejos e VIPs em cruzeiro temático, seus problemas urbanos seguem assombrando a rotina de moradores.
1. Mobilidade e transporte urbano ainda engatinhando
Apesar do sinal recente de retomada do transporte coletivo com a frota municipal dobrando de nove para dezoito ônibus modernos com acessibilidade e internet Wi‑Fi em junho de 2025 esse avanço é fruto de uma contratação emergencial temporária . A prefeitura já anunciou nova licitação, mas carece ainda de um sistema municipal permanente de mobilidade urbana. A aprovação da Lei 7139/2025, que cria o Fundo e Conselho Municipal de Trânsito e Mobilidade Urbana, demonstra boa vontade política, mas sua eficácia dependerá da operacionalização real desse fundo.
Durante os dias de evento, a cidade vive intensa sobrecarga no esquema viário: rodovias como a SP‑326 ficam congestionadas e exigem monitoramento constante, inclusive com obras de duplicação já em andamento pela concessionária TEBE S/A .
2. Infraestrutura urbana frágil em contraste com o glamour do evento
Em 2024, Barretos enfrentou bloqueios e problemas de acesso causados por incêndios florestais que atingiram regiões do interior de São Paulo, chegando até a arena da festa com relatos de visitantes que passaram mal por causa da fumaça . A segurança urbana demonstra-se incapaz de absorver tais eventos extremos, que não são incomuns na região.
Além disso, áreas da cidade sofrem com enchentes persistentes, como o cruzamento da Avenida Rio Dalva com a Rodovia Brigadeiro Faria Lima e trechos da Rua Messias Gonçalves problemas anunciados pelo futuro secretário de Obras, Thiago Vasconcelos, que admitiu: apesar de melhorias pontuais, "muito ainda precisa ser feito" para evitar desastres sazonais .
3. Turismo que invisibiliza o cotidiano da população
Durante a Festa, a cidade vira um grande palco: hotéis lotados (~90%), restaurantes e dezenas de lojas temporárias no Parque do Peão oferecem à população local inúmeras oportunidades de renda . Ainda assim, fora o mês de agosto, o fluxo retorna ao normal, e grande parte dos investimentos em infraestrutura é unicamente concentrada no evento.
A lógica do turismo empluma momentaneamente a economia da cidade, mas pouco altera o cotidiano: falta continuidade em políticas públicas como saneamento, mobilidade fixa e serviços de saúde adequados ao tamanho do município.
4. Visão de crescimento dependente de megaeventos
Barretos depende demasiadamente da festa. Projetos urbanos e políticos reforçam isso: até mesmo o título de Estância Turística usado com orgulho tem impacto mais simbólico do que real na melhoria da qualidade de vida local .
O município aposta na diversificação cultural, com o cruzeiro temático em alto-mar para celebrar os 70 anos da festa em 2025, mas iniciativas como essa não revertem os problemas estruturais que persistem na cidade.
Barretos é uma vitrine: intensa, luminosa, sedutora quando vista do Parque do Peão. Mas a imagem que o mundo consome durante os dias de rodeio diverge das necessárias transformações da cidade real.
A Festa do Peão oferece turismo, visibilidade e renda temporária. Mas se por trás do brilho permanecem ônibus precários, risco de alagamentos, mobilidade improvisada e infraestrutura frágil é sinal de que a política pública local ainda trata a grande festa como prioridade, e a população como público.
Há autodependência em uma ilusão de prosperidade: um município que precisa do rodeio para respirar, mas não investe o suficiente para que a cidade toda respire com dignidade. É hora de olhar para além do espetáculo e perguntar: quem pensa Barretos depois da festa?
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