Rubens Bernardo Tomas

Luz, câmera, existência: o audiovisual como território de empoderamento trans

Durante décadas, as pessoas trans existiram no audiovisual apenas como fantasmas: distorcidas, ridicularizadas ou apagadas. A imagem trans, quando não era caricata, era trágica e quase nunca feita por pessoas trans. Mas esse enredo, ainda que lentamente, começa a ser reescrito pelas próprias mãos de quem por tanto tempo foi mantido fora do roteiro.
Nos últimos anos, cresce no Brasil e no mundo um movimento que vai além da simples visibilidade: é o empoderamento trans no audiovisual. Não basta aparecer na tela é preciso ocupar bastidores, escrever narrativas, dirigir câmeras, produzir histórias que escapem da lógica do trauma e da dor. O protagonismo não é mais favor: é direito.
A presença de artistas como Linn da Quebrada, Silvero Pereira, Jup do Bairro, Alice Guél, Gabriela Gaia Meirelles, Renata Carvalho e tantos outros nomes ainda que em nichos e batalhas isoladas expõe a potência da experiência trans quando contada de dentro para fora. Eles criam o que o mercado ainda reluta em financiar: corpos vivos, complexos, humanos.
Mas apesar dos avanços pontuais, a estrutura continua resistente. As grandes produtoras, emissoras e plataformas ainda tratam a diversidade como cota, e não como estratégia narrativa e ética. Pessoas trans são chamadas para papéis de si mesmas, quase nunca para interpretar a universalidade da existência humana. Quantos homens trans você já viu em filmes nacionais que não tratem da transição como única trama?
O audiovisual brasileiro ainda espelha a exclusão que reina fora das telas: a baixa escolarização imposta pela transfobia estrutural, a precarização do trabalho, a violência, o genocídio social. A câmera pode dar voz, mas o poder segue na mão de quem financia, seleciona e distribui.
Nesse sentido, iniciativas como festivais LGBTQIA+, coletivos de cinema trans, editais afirmativos e espaços de formação específica são fundamentais não como concessões, mas como reparações históricas. É preciso inverter a lógica: não se trata de inserir pessoas trans na indústria como ela é, mas de transformar a indústria para que ela aceite novas formas de contar e existir.
Empoderamento no audiovisual é quando uma pessoa trans escreve seu roteiro e não precisa pedir permissão. É quando ela atua sem precisar explicar sua identidade. É quando dirige sem que sua transição seja mais importante que sua linguagem cinematográfica.
Representatividade real não é só aparecer é decidir o que mostrar, como mostrar e para quem mostrar. É conquistar o direito ao afeto, ao riso, ao mistério, ao fracasso e ao final feliz. E isso só será possível quando o mercado deixar de temer a complexidade trans e começar a financiá-la.
A pergunta, então, não é mais se as pessoas trans podem ocupar o audiovisual. Elas já ocupam. A pergunta é: quem está disposto a ceder espaço, dinheiro e escuta para que essas narrativas floresçam com liberdade e permanência?
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