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Pedra Bela,05/09/2025

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Regina Papini Steiner

GOG, de Giovanni Papini: O Louco Que Enxergava Demais

Foto de Mariana Blue
GOG, de Giovanni Papini: O Louco Que Enxergava Demais

GOG, de Giovanni Papini: O Louco Que Enxergava Demais

"A humanidade me parece um hospício cujos doentes tomaram o poder e expulsaram os médicos."
(GOG)

Giovanni Papini escreveu GOG como se estivesse arrancando a máscara da civilização com os dentes. Um livro feito de fragmentos, encontros, ideias absurdas e paradoxos, narrado por um bilionário supostamente louco. Mas o que emerge dessas páginas é menos uma ficção e mais uma radiografia da alma moderna, distorcida, vaidosa, confusa e perigosamente funcional.

Trechos marcantes: quando o delírio revela verdades

Papini brinca com a forma e o conteúdo. Cada capítulo é um soco, uma ironia ou uma provocação. Alguns trechos se destacam pela atualidade gritante:

"Fiz a experiência de dar dinheiro aos pobres para que não trabalhassem. Queria ver se a felicidade estava na ociosidade. Resultado: gastaram tudo com jogo, bebida e brigas."

"A imprensa é o novo Deus: onipresente, onisciente e absolutamente irresponsável."

"A religião é um negócio tão bom que duvido que tenha sido inventada por Deus."

Essas frases, ditas por Gog, mostram uma mente que zomba de tudo mas com precisão cirúrgica. Ele é o cínico que, justamente por não acreditar em nada, percebe tudo.

Freud, Jung, Laing: o inconsciente coletivo encontra seu bilionário

Freud teria dito que Gog sofre de uma neurose narcisista. Mas talvez reconhecesse também uma perversão socialmente aceitável, a de usar a racionalidade para racionalizar a crueldade. Gog não deseja curar-se, porque sabe que está doente de um mundo doente.

Jung talvez visse em Gog o arquétipo do "Louco Sagrado", o trickster, aquele que revela verdades através da dissonância. Gog, como o Louco do Tarot, caminha por abismos internos e externos, desafiando convenções. Ele é sombra pura: aquilo que o coletivo reprime, mas que sempre retorna, zombando de sua moral frágil.

Já Laing, psiquiatra que via a loucura como resposta legítima a um mundo insano, teria aplaudido Gog. Para Laing, muitos pacientes não eram doentes, mas pessoas que reagiam com lucidez a uma realidade insuportável. Gog seria, então, o sintoma lúcido de uma sociedade psicótica.

De Gog a Bolsonaro, Musk e os novos profetas do absurdo

O personagem criado por Papini tem ecos inegáveis nas figuras públicas de hoje. Imagine Gog em uma coletiva ao lado de Elon Musk, anunciando uma colônia em Marte que funcionaria com voto por NFT e culto à inteligência artificial. Ou no púlpito de Silas Malafaia, promovendo jejum em prol da especulação imobiliária do Reino dos Céus. Ou ainda na live de Bolsonaro, dizendo que livros de filosofia são "perda de tempo" e que Deus está com ele, mesmo que as provas digam o contrário.

Gog, com sua fala sarcástica e lucidez invertida, antecipa esses personagens. Mas há uma diferença: Gog sabe que está sendo grotesco. Ele ironiza o sistema. Já os atuais não ironizam: eles acreditam, ou fingem acreditar, no delírio que vendem.

Gog somos nós, num espelho rachado

Papini, através desse personagem que ri do mundo com os olhos fundos, escreveu uma espécie de Evangelho às avessas. GOG é um livro profético, filosófico e maldito. Não propõe soluções, não redime ninguém, não oferece saídas. Apenas escancara.

E, ao fazer isso, obriga o leitor a se perguntar:
Se o louco vê as coisas como elas são, e não como deveriam ser, então quem é realmente o insano?

por Regina Papini Steiner



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