Seja bem-vindo
Pedra Bela,05/09/2025

  • A +
  • A -

Regina Papini Steiner

Eles se entregaram. E ainda fizeram selfie

Foto by Moloch
Eles se entregaram. E ainda fizeram selfie

A extrema direita global tem um projeto. Não é apenas ideológico, é logístico. O Brasil, com sua vastidão amazônica, suas riquezas minerais e seu valor geopolítico, é a cereja envenenada no bolo autoritário do século XXI. Reconquistá-lo seria, para esse bloco, uma espécie de checkmate climático, simbólico e econômico.

Por isso, não é paranoia dizer que o bolsonarismo sempre foi um cavalo de Troia. Um movimento “nacionalista” que entregou a soberania de bandeja. Um patriotismo de papelão, pintado de verde e amarelo, mas feito nos moldes do trumpismo, a quem presta continência.

Elon Musk, nosso novo bandeirante espacial, não veio à Amazônia por acaso. Sua visita em fim de mandato bolsonarista foi tudo, menos simbólica. Trouxe satélites, levou mapas. Conectou comunidades para desconectar o Estado. Ofereceu o Starlink às Forças Armadas como quem estende um tapete por onde passarão drones, dados e interesses privados. Hoje, boa parte da floresta está conectada por sinal estrangeiro. O que chamam de progresso talvez seja apenas o novo nome da ocupação.

Musk sabe o que quer. E o que quer está no subsolo da floresta, nas copas das árvores, na fragilidade das políticas ambientais. Mapeia a Amazônia com precisão cirúrgica, enquanto o Brasil discute se é “lacração” cuidar do planeta.

Mas algo mudou. Pela primeira vez, a esquerda venceu nas redes. E venceu bonito. Não foi goleada, mas foi 3 a 0. Com memes, sátiras e narrativas que furaram a bolha do medo. O bolsonarismo, antes senhor absoluto do discurso digital, virou piada. Virou figurante dos próprios vexames. Sabujos do Trump, lacaios da Casa Branca. Ternos mal cortados, bonés de quinta e a bandeira americana na testa.

A guerra simbólica se intensificou. E o governo Lula respondeu com humor, fábula e didatismo. Um vídeo com um gatinho explicando a injustiça tributária fez mais pelo debate fiscal do que horas de pronunciamentos sisudos. Foi La Fontaine em versão brasileira. Foi Milôr na era do TikTok. A pedagogia da delicadeza contra o cinismo armado.

Estamos sob ataque, sim. Mas também estamos despertando. O que aconteceu no Canadá e na Colômbia mostra isso. Trump tentou interferir e causou o efeito oposto: reforçou discursos nacionalistas progressistas. Na Colômbia, Gustavo Petro ressurgiu das cinzas com palavras duras contra a ingerência dos EUA. Aqui, o lulismo resiste como ideia-força. E ideias, quando enraizadas no povo, não se extinguem com o fim de um mandato.

O bolsonarismo, por outro lado, traiu sua própria farsa. Dizia-se patriota. Mas amar a pátria é incompatível com lamber botas estrangeiras. Não há patriotismo possível com reuniões secretas na Casa Branca para negociar tarifas contra seu próprio povo. Não há dignidade no boné com estrela importada.

E isso precisa ser colado na testa. Não como meme apenas. Mas como documento histórico. Eles se entregaram. Assinaram papéis. Deram entrevistas. Produziram fac-símiles da própria traição. Estão facilitando a vida dos historiadores do futuro, que não precisarão garimpar arquivos secretos. Basta abrir o YouTube.

Como disseram no vídeo que inspira esta coluna, nem os generais da ditadura ousaram tanto. Geisel jamais bateria continência para a bandeira dos Estados Unidos. Mas Eduardo Bolsonaro, com orgulho de quem nunca leu um parágrafo da Constituição, fez do gesto um marketing político.

A pátria, no entanto, não se vende. Nem por satélite, nem por podcast. Ainda há um povo atento, uma memória que não se deixa apagar por algoritmo. E há, sobretudo, uma luta que agora se trava no campo simbólico, memes contra fake news, fábulas contra farsas, ideias contra entreguismo.

O bolsonarismo é o wi-fi do imperialismo. Conecta, entrega, monitora. Mas nem todo mundo está navegando nesse sinal. Alguns ainda preferem o silêncio do rádio de pilha, a escuta de uma reza no terreiro, a palavra dita com o corpo. Porque soberania também se faz de voz.

E a nossa, por enquanto, segue viva. E em bom tom.



COMENTÁRIOS

LEIA TAMBÉM

Buscar

Alterar Local

Anuncie Aqui

Escolha abaixo onde deseja anunciar.

Efetue o Login

Recuperar Senha

Baixe o Nosso Aplicativo!

Tenha todas as novidades na palma da sua mão.