Beto Guimarães Takeshi

Política pública asiática: entre o planejamento e a sobrevivência

Num mundo onde a urgência climática, a desigualdade e os conflitos exigem ação pública coordenada, surge uma pergunta incômoda: existe, de fato, uma política pública asiática? Ou o que vemos são estratégias nacionais dispersas, moldadas mais pelo pragmatismo do poder do que por um ideal coletivo de bem-estar social?
A resposta é paradoxal. Sim, a política pública na Ásia existe e é poderosa. Mas raramente é transparente, participativa ou orientada pelo interesse coletivo, nos moldes ocidentais. Na verdade, sua existência é frequentemente silenciosa, vertical e marcada por uma eficiência que espanta e assusta.
Tomemos o exemplo da China, onde o Estado opera como um grande maestro da sociedade. A política pública ali é quase sinônimo de planejamento estatal. Seja na contenção da pandemia, na transição energética ou no controle demográfico, a administração pública chinesa atua com recursos ilimitados e coerção institucional. No entanto, esse mesmo aparato é muitas vezes alheio a mecanismos democráticos, à escuta cidadã e ao controle social. O que é prioridade nacional nem sempre é prioridade do povo.
Do outro lado do mar, no Japão, a política pública é um reflexo da sociedade envelhecida e hiperorganizada. Programas de saúde preventiva, de combate ao desperdício e de reconstrução pós-desastres são admirados internacionalmente. Contudo, os gargalos da burocracia, a resistência a mudanças estruturais (como a reforma imigratória), e a lentidão frente à crise climática revelam uma máquina estatal robusta, porém conservadora. Avança, mas a passos curtos.
No Sudeste Asiático, as contradições se intensificam. Singapura é exemplo de eficiência estatal, com políticas públicas que garantem moradia, educação e ordem urbana ao custo de liberdades civis controladas. Indonésia, Filipinas, Vietnã e Tailândia vivem um dilema entre crescimento econômico acelerado e sistemas públicos frágeis, marcados por corrupção, desigualdade e baixa penetração social. A política pública, nesses casos, é muitas vezes reativa: surge depois da tragédia, não antes dela.
E o que dizer da Índia? Um gigante democrático, multifacetado, que abriga políticas públicas visionárias, como o Aadhaar (sistema de identidade digital), e ao mesmo tempo enfrenta escassez básica de saneamento, saúde pública e governança ambiental. É a coexistência do século XXI com o século XIX, num só território.
Portanto, a Ásia não é ausente de políticas públicas ela é múltipla, desigual, contraditória e intensamente pragmática. O que falta, muitas vezes, é uma concepção de política pública como pacto social, como processo horizontal de escuta, justiça distributiva e transformação coletiva.
No lugar disso, prevalece uma política centrada no Estado forte, na elite tecnocrática e na ideia de desenvolvimento como crescimento econômico, e não como bem-estar humano.
Cabe ao mundo observar, aprender e criticar. Porque, para o bem ou para o mal, o que a Ásia faz hoje, o planeta inteiro sentirá amanhã.
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