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Pedra Bela,17/07/2025

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Maude Salazar

Fidelio ou o Som da Liberdade que Ainda Não Alcançamos

Metropolitan Ópera
Fidelio ou o Som da Liberdade que Ainda Não Alcançamos

Fidelio ou o Som da Liberdade que Ainda Não Alcançamos
por Maude Salazar

Beethoven escreveu apenas uma ópera. E bastou.
Fidelio não é apenas música. É denúncia. É amor em carne viva. É uma prece política que encontrou forma em partitura. É o grito de quem esteve preso na escuridão e ousou esperar. E ousou cantar.

Não há como ouvir Fidelio sem sentir um nó na garganta. A história é simples e monumental. Leonore, mulher apaixonada e corajosa, disfarça-se de homem, assume o nome Fidelio e infiltra-se em uma prisão para libertar seu marido, Florestan, injustamente encarcerado por motivos políticos. No subsolo da opressão, ela desce até a última cela, até o último suspiro. E o que resgata ali não é só um homem. É o símbolo de todos os que ainda respiram com dificuldade sob o peso da injustiça.

Há um momento em que os prisioneiros saem de suas celas e cantam, tímidos, a luz do dia. Talvez seja um dos coros mais belos e simbólicos da história da ópera. Não cantam com grandiosidade heroica, mas com a fragilidade de quem ainda desconfia da esperança. Essa cena, que deveria ser memória histórica, segue sendo atual. Quantas prisões físicas, emocionais ou ideológicas ainda abafam vozes ao redor do mundo? Quantos ainda olham para a luz com medo de não merecê-la?

Beethoven escreveu Fidelio em tempos de impérios, cárceres e censuras. Mas ele era mais do que um compositor. Era um corpo ferido pela surdez, um coração em fúria contra os poderes de seu tempo. E mesmo sem ouvir, ele escutava. Escutava o que o mundo precisava: que alguém acreditasse na liberdade com a força de uma ópera inteira.

Leonore é uma mulher que veste o nome da fidelidade, mas o que ela é, de fato, é ruptura. Rompe com papéis, normas, expectativas, silêncios e muros. E é nesse gesto que Fidelio se torna eterno. Porque não se trata apenas de libertar Florestan. Trata-se de romper com o sistema que o prendeu.

Fidelio nos pergunta, em cada acorde: o que ainda nos mantém presos? O que fazemos com os que são esquecidos nos porões da história? Quantos de nós ainda esperam, em silêncio, que alguém venha abrir a porta?

Numa época em que a liberdade virou slogan e a justiça virou moeda de troca, Fidelio resiste como uma ópera que nos confronta. Porque não basta escutá-la. É preciso agir como Leonore. Entrar onde ninguém ousa entrar. Enfrentar o opressor no momento mais escuro. Cantar, mesmo com medo, até que a luz volte a brilhar.

Se Beethoven escreveu apenas uma ópera, é porque talvez soubesse que uma só bastaria para nos lembrar que a música pode ser trincheira, altar e promessa. E que, quando tudo falha, a arte ainda é capaz de abrir a cela.



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